26 fevereiro 2016

PERDÃO E ESQUECIMENTO

Perdoar nem sempre consiste em esquecer o ocorrido ou mesmo o ofensor. Mas em entendermos o que realmente nos causa dor.

O filósofo Jean-Yves Leloup questiona se a exigência de “que a justiça seja feita, que a justiça seja aplicada” não nos mantém na dependência de quem nos “deve”? E se ela também não nos mantém no sofrimento?
Quando fazemos uma conexão com sentimentos de ressentimento e rancor em relação àquele que nos causou algum tipo de dor, também nos conectamos ao prolongamento do nosso sofrimento em relação à ofensa que nos atingiu; e a todo o movimento que nosso algoz faça. Então, ficamos dependentes desse para nos movimentarmos também.
Nem sempre somos capazes de uma análise racional do ocorrido. Ao menos em um primeiro momento. Porém, ao conseguirmos abrandar a explosão de emoções, poderemos ter um olhar mais objetivo para a situação. E, assim, alcançarmos maior clareza sobre o fato e nosso ofensor.
Jean-Yves Leloup cita Montherlant, romancista francês que questiona: Porque os cadáveres são tão pesados?  E ele mesmo responde - Eles são pesados devido a todas as palavras que não foram ditas, a todos os males que não foram perdoados...
Perdoar nem sempre consiste em esquecer o ocorrido ou mesmo o ofensor. Mas em entendermos o que realmente nos causa dor. Muitas vezes é apenas o mal-estar de não poder dizer tudo que se deseja. Defender-se em voz alta. De a justiça ser feita.
Mas que justiça é essa? Aquela que nos torna “bons” aos olhos alheios? Quais são os olhos que verdadeiramente importam e o que é ser “bom”? Se formos capazes de responder a essas questões definitivamente seremos capazes de amenizar tais dores e então nos libertarmos do sofrimento.
Ao nos atentarmos para nós, nossas dores e, especialmente, para o que nos é importante, conseguimos a clareza do que precisamos para decidirmos o que queremos e a quem nos importa satisfazer.
Portanto, podemos tentar dizer mais palavras e perdoar mais males para nos tornarmos pessoas mais leves tendo em vista ainda estarmos vivos.
Que a busca pelo conhecimento de nós mesmos seja uma atitude diária para podermos alcançar a serenidade almejada.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124

19 fevereiro 2016

MEU PASSADO E MEU HOJE

Se nossa história é importante para nós todos, é importante valorizarmos nosso passado.

Alguém comentou sobre um livro que leu e o quanto este transformou seu modo de “ver” as pessoas. Segundo ele, o livro tratava sobre a importância da história pessoal de cada um e como ela influencia o modo de ser e agir de todos nós. Ou seja, cada um reage segundo sua história e suas experiências vividas.
É interessante uma reflexão sobre esse tema por causa de nossas semelhanças em diversos aspectos. Porém, ao mesmo tempo somos singulares, ou seja, nossa história pode ser parecida, mas não igual. E isso nos torna individuais quanto as nossas ações e reações.
Temos muitos pontos em comum, mas a nossa história de vida nos torna diferentes. Essa diferença se manifesta em nosso modo de ser e responder às diversas situações com as quais nos deparamos.
Se mantivermos essa ideia em mente seremos capazes, em muitas situações, de entender o motivo pelo qual essa ou aquela pessoa responde de determinado modo a alguma situação. Uma situação que normalmente pode nos surpreender, devido ao fato de entendermos sermos capazes de apresentar um comportamento diferente.
Nos habituamos a olhar para tudo a nossa volta com o nosso modo de ser e entender. Portanto, costumamos nos esquecer de que cada um tem um modo particular de captar as informações apresentadas. E assim, sua resposta também será diferente daquela que teríamos.
Podemos, em algumas ocasiões, experimentar inclusive o desapontamento em relação à solução encontrada pelos outros e que destoa totalmente daquela que teríamos. Contudo, um exercício interessante é o de experimentar ser atento à história pessoal de quem se tornou o alvo de nossa decepção. E, então, entender alguns dos motivos que o levaram a ter tal atitude.
Tal exercício não consiste em uma tarefa fácil. Sairmos de uma posição confortável e familiar para experimentarmos voltar nossa atenção para o outro e suas singularidades, pode causar certo desconforto. Entretanto, ao nos aventurarmos a tal empreitada podemos também dar início a uma mudança. E esta pode nos surpreender pelo fato de começarmos a praticar relacionamentos mais satisfatórios.
A busca por relacionamentos é natural do ser humano. Seja ele mais, ou menos; afetivo; ou profissional. Sendo assim, quando conseguimos entender um pouco mais quem se aproxima de nós, seja para um contato pessoal ou profissional, poderemos estabelecer contatos os quais nos complementem e nos permitam sentir conectados. E esse laço é de suma importância para seres como nós que vivem em grupos e precisam desses para existir.
Então, se nossa história é importante para nós todos. É importante valorizarmos nosso passado. Cientes do fato de ele influenciar todas as nossas sensações, atitudes e comportamentos.
Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124

12 fevereiro 2016

CONSIGO PARTICIPAR DE TUDO?

Qual a diferença entre o tal friozinho na barriga de quando nos excitamos com algo e o desespero em participar de tudo.


É comum a sensação de um friozinho na barriga quando estamos excitados com algo. Muitos dizem ser essa sensação algo extremamente útil e positivo. Entretanto, assistimos atualmente um certo frenesi em torno de situações que não necessitariam do alvoroço gerado.
Uma jovem na fila de um cinema para assistir a estreia de um filme se gabava ao dizer estar ali há mais de três horas e não havia saído nem para ir ao banheiro. Ao ser questionada sobre o motivo afirmou que não queria perder nada daquele evento, nem mesmo uma pipoca que caísse nos degraus da escada.
Outra jovem, ao não poder estar presente em uma festa de aniversário de uma amiga preparou uma festa surpresa, dois dias antes da outra festa, para que assim não se sentisse “de fora” por perder algo.
Então, uma questão emerge. Qual a diferença entre o tal friozinho na barriga de quando nos excitamos com algo e esse desespero em participar de tudo. Ocorre de necessitarmos estar presente em tudo e saber de tudo para não nos sentirmos perdendo algo? Talvez o acesso a tantas informações com tanta facilidade e rapidez sejam alguns dos motivos.
Porém, parece haver algo mais. Um desejo insatisfeito que nos leva a permanecer em busca de algo o qual não conseguimos identificar ao certo. Então, se nos esforçarmos para não perder “nada”, pode acontecer de não sentirmos essa falta que não consegue ser identificada. Mas, será possível conseguirmos participar e estar presente em tudo?
Percebe-se cada vez mais pessoas sendo acometidas ou “diagnosticadas” como ansiosas, depressivas ou com algum tipo transtorno. Isso pode significar que em algum momento deixamos de nos envolver emocionalmente de modo a nos fortalecermos e estarmos preparados para o prazer. Iniciamos, então, uma jornada rumo a uma sensação de quase desespero por deixar de obter algo.
Nos fortalecermos para o prazer porque ao experimentarmos o tal “friozinho na barriga”, de algum modo, nos preparamos para um evento o qual poderá proporcionar uma emoção diferente da rotineira. E, portanto, nosso corpo “conversa” conosco de modo a nos preparar emocionalmente para a situação por vir.
Ao ter isso em mente é importante conseguirmos nos manter atentos para buscar cada vez mais conhecer nossos limites e nos tornar, então, capazes de nos emocionarmos e experimentarmos sensações as quais não sejam esperadas ou planejadas. E que estas nos permitam viver os momentos que surgem no presente. Sem medo do passado e sem tentar controlar totalmente o futuro.
Podemos iniciar um modo de viver voltado mais para o momento atual, nos preocupar com ele e nos envolver com todas as emoções que o presente pode nos oferecer. E, assim, exercitarmos a redução das sensações de desespero quando buscamos algo e nem sabemos ao certo o que é.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124


05 fevereiro 2016

PERDÃO NÃO SIGNIFICA ESQUECIMENTO

É muito provável conseguirmos perdoar, mas nosso olhar não será o mesmo. A lente que os cobria não poderá ser a mesma, pois nós mudamos a cada nova experiência.

Ao perdoar nosso olhar volta ao que era antes? Isto é, quando perdoamos conseguimos apagar da lembrança o que ocorreu e nos sentirmos exatamente da mesma maneira que antes? Ao nos relacionarmos, com algo ou alguém, temos nossa interpretação dessa relação e desse algo ou desse alguém. Normalmente não nos atentamos para esse fato, porém ele ocorre. Nossa história e nossas relações sempre permeiam os nossos contatos.
A questão então é se conseguimos retomar a visão anterior depois de algo nos atingir. Ou seja, quando nos sentimos ofendidos ou feridos pode ocorrer de sermos capazes de perdoar, relevar o que aconteceu e reaver o relacionamento anterior. Contudo, será possível o retorno exatamente como era antes?
Se tudo nos toca de alguma maneira, como não mudar depois de vivermos uma decepção ou uma dor? Nossa história envolve todos os nossos contatos e deste modo somos o resultado deste conviver. Portanto, torna-se inevitável alguma mudança ocorrer especialmente quando experimentamos a decepção ou a dor. Então, a mudança na relação anterior também se torna algo difícil de não ocorrer.
Jean-yves Leloup, filósofo e escritor, destaca em um de seus livros que o perdão não apaga a realidade do carrasco. Mas uma vez perdoado não estamos mais sob a dependência dele através do ódio e da sede de vingança inspirados por ele. Ou seja, podemos mudar os sentimentos, entretanto a realidade do fato não desaparece. A dor e a decepção continuam a existir, mesmo ao tornar-se apenas em uma lembrança. E isso faz parte de nossa história.
Então, é muito provável conseguirmos perdoar, mas nosso olhar não será o mesmo. A lente que os cobria não poderá ser a mesma, pois nós mudamos. Sendo assim, não podemos nos esquecer de que buscar retomar uma relação exatamente como ela foi um dia, é, ao menos, uma busca impossível. As mudanças acontecem, na maioria das vezes, independentes de nossa vontade.
É preciso nos lembrarmos disso para não experimentarmos decepções conosco por não sermos capazes de sentirmos exatamente como foi no passado, antes de um fato ser conhecido e provocar alterações nas relações antigas. Não é raro nos iludirmos com a ideia de conseguirmos voltar como éramos. Mas é uma ilusão.
O importante é atentarmos para esse fato e, então, conhecermos nossas reais capacidades para, desse modo, ampliarmos nossas possibilidades no que tange os relacionamentos. Pois, ao permanecermos na ilusão, as relações tornam-se alicerçadas em algo frágil o qual não será capaz de resistir aos abalos a que estão sujeitas. Sejam eles de menor ou maior proporção.
A nossa realidade nos fortalece para o contato.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124