30 novembro 2012

PASSADO


Há quem afirme que o passado deve ser deixado de lado. Devido ao fato de que se ele foi ruim não revivemos suas dores e assim elas podem permanecer esquecidas. Se ele foi bom para não sofrermos com a impossibilidade de reviver tais momentos, agora, inacessíveis.
Ou seja, para nos privarmos de sofrer, “enterramos” nosso passado e, desse modo, nos protegemos de dores atualizadas. Então, bastaria deixarmos de lado nossa história e, assim, teríamos alguma garantia em relação a possíveis sofrimentos.
Porém, ao se pensar dessa forma incorremos no risco de julgarmos nosso passado como dispensável. No entanto, não podemos desconsiderar sua importância no ser atual que somos. Visto que, ao acreditar sermos o resultado do acúmulo de nossas experiências, cada evento vivido assume importância de grande significado para nós. E, o cogitar algum tipo de mudança incorre em mudar quem somos hoje.
Contudo, nem sempre é possível significar com valor representativo o que se viveu. Há sempre um evento o qual gostaríamos que não tivesse ocorrido. Algo o qual desejamos ser “apagado” de nossa lembrança, para, dessa maneira, permitir vivermos sem tal mácula. Mas, é preciso compreendermos a dimensão que tais eventos possuem em nossa existência para podermos localizá-los de modo assertivo em nossa história pessoal.
É mais comum do que admitimos nossa “fuga” das lembranças. Ela pode ocorrer de modo totalmente lúcido e consciente ou de forma mais sutil. No entanto, ao permitirmos que tais eventos sejam “esquecidos” constrangemos nossa capacidade para nos desenvolvermos. Pois, quando oferecemos a nós mesmos a chance de lidar com nossas “sombras” permitimos um clarear para com elas o qual pode nos surpreender. E, em muitos casos ainda, nos possibilitar um conhecimento acerca de nós mesmos o qual estávamos, de modo equivocado, valorizando de forma negativa.
Então, quando nos permitimos experimentar possibilidades de conhecimento acerca de nós e de nossa história, estamos, ao mesmo tempo, ampliando nossas alternativas acerca dos nossos desejos para o futuro.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124

23 novembro 2012

CAMINHO COM DESTINO


Os chineses, como descreve Fritjof Capra em seu livro “O ponto de mutação”, nomearam tao (caminho), o contínuo processo cósmico no qual o universo está compelido, e que consiste em um movimento e atividade incessantes. Ou seja, vivemos em um movimento constante. O filósofo Heráclito afirmou não ser possível alguém banhar-se duas vezes em um mesmo rio, pois o rio não seria mais o mesmo devido ao fato de a água corrente ter-se ido. Sendo assim, segundo esse filósofo, vivemos em um constante devir por causa do movimento ao qual estamos sujeitos ou, um permanente “vir-a-ser” como nomeia o filósofo Heidegger.
Outro termo da filosofia taoista citado por Capra – wu-wei significa: “não-ação”; representa a privação de uma certa espécie de atividade, que, no entanto, estaria em harmonia com o processo cósmico em curso e seu constante movimento e atividade. Ou seja, não constitui a ausência de atividade.
A não-ação significa permitir a ocorrência  do curso natural dos eventos. Diferente da permanência em inércia. Ou seja, respeitar a “essência” das coisas, permanecendo, desse modo, em harmonia com o movimento ao qual todos estamos sujeitos. Pois, a interconexão descrita por Capra em seu livro define estarmos todos interligados em nossos comportamentos e “destinos”. Então, nenhuma atitude praticada por um é isenta de influenciar a todos os outros.
Sendo assim, pode-se afirmar que alguém tem sorte. No entanto, fica uma questão: tal indivíduo tem sorte ou é alguém capaz de compreender um curso natural relacionado à essência de tudo o que está envolvido no movimento universal cósmico, e coloca em prática a não-ação?
Ao considerar a reflexão do físico Fritjof Capra podemos cogitar ser a sorte uma consequência relacionada a um modo de agir em relação ao “mundo” ao qual estamos “interligados”. Isto é, um respeito ao movimento e a interconexão existentes.
Desse modo, podemos nos manter inertes diante dessa reflexão, ou podemos assumir uma atitude de não-ação e exercitarmos compreender qual a essência de tudo, e de todos, com quem nos relacionamos. Para assim, darmos início a um processo o qual pode culminar em uma “mudança de caminho”.
Essa mudança talvez não ofereça um vislumbre concreto. Porém, representa um ampliar de possibilidades o qual pode significar um exercício de liberdade ainda não nos permitido experimentar. Mas passível de apontar para uma direção desconhecida para nós capaz de oferecer oportunidades ainda não cogitadas.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124

16 novembro 2012

DISTÂNCIA


Uma maneira de nos mantermos tranquilos a respeito de algo é nos distanciarmos. Enquanto criança somos levados a um aprendizado que possibilita nos protegermos daquilo que nos oferece algum tipo de perigo. Isto é, não nos expormos a alturas perigosas entre outras situações.
Não podemos nos esquecer, porém, da proteção relacionada ao nosso bem estar psíquico e emocional. Sendo assim, encontrar formas de defender a manutenção desse bem estar, está de certa forma inerentemente relacionado à continuidade de nosso existir. Pois, somos amparados o tempo todo por nosso aparelho psíquico, o qual se mobiliza nos momentos de maior dificuldade no intuito de nos manter equilibrados o máximo possível.
A psicóloga e autora Lídia Rosenberg Aratangy afirma haver um tipo de mecanismo para nos tranquilizar e ajudar a viver com alguma sensação de segurança num mundo abastado de perigos. Tal mecanismo, segundo a psicóloga, consiste em dividir a humanidade em duas partes: nós e os outros. Ou seja, ao nos colocarmos aparte de todos os outros salvaguardamos a distância e, com isso, “garantimos” nossa segurança.
Contudo, tal segurança pode tornar-se contraditória ao considerarmos o fato de nos construirmos como seres existentes na medida em que nos relacionamos com os outros. Então, estabelecermos tal separação entre nós e o resto do mundo pode nos colocar numa situação futuramente inconveniente.
É extremamente importante cuidarmos de nosso bem estar e buscarmos formas de nos protegermos. Entretanto, precisamos nos manter atentos para não descuidarmos de nossas relações, tendo em vista serem elas nossas possibilidades para novas as oportunidades de desenvolvimento pessoal.
Sendo assim, fixar distâncias seguras do que pode nos prejudicar é essencial. Contudo, precisamos ter cautela com esse processo, para ao final não nos encontrarmos carentes do desenvolvimento de mecanismos os quais permitam nos relacionarmos de modo satisfatório. Pois, a mesma distância que nos protege pode transformar-se em obstáculo.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124

09 novembro 2012

CRISE: PERIGO E OPORTUNIDADE


Fritjof Capra em seu livro “O Ponto de Mutação” argumenta a respeito da crise e sua possibilidade para a transformação. O autor destaca que a cultura chinesa sustenta uma visão inteiramente dinâmica do mundo e uma significativa percepção da história, inclusive, profunda ciência da conexão entre crise e mudança. Eles utilizam o termo: “wei-ji” para crise, que é composto dos caracteres perigo e oportunidade.
 Erick Erickson, por sua vez, destacou a importância da crise no processo de desenvolvimento. Ele afirma que o indivíduo necessita transpor uma crise para que possa alcançar um novo ponto em seu progresso vital. Ou seja, todo crescimento envolve algum movimento o qual, segundo esse autor, tem como “gatilho” uma crise.
Não se pode, no entanto, deixar de considerar a crise como um perigo. Mas, também representa uma oportunidade. E, ao vivenciarmos um momento no qual nos sentimos em conflito ocorrem certos movimentos inevitáveis nos quais nossos sentidos entram em ação de modo mais aguçado. Isso constitui uma possibilidade para o desenvolvimento, mas em contrapartida pode nos paralisar diante do perigo iminente.
O modo como lidamos com o momento de crise é sumamente importante. Pois, esse modo irá definir se ela representará um avanço ou um retraimento em nosso desenvolvimento pessoal. A mudança, após a tensão experimentada, é inevitável. Desse modo, um cuidado especial se faz necessário para podermos inserir em nosso processo de crise a oportunidade, em oposição ao perigo.
Sendo assim, pode-se compreender que a crise constitui uma ocasião para um movimento em prol de algum tipo de mudança. No entanto, cabe a nós dispô-la em equivalência com o perigo ou com a oportunidade.
Muitas vezes podemos nos sentir inaptos a assumir o controle da situação que vivenciamos. Mas, se assumirmos nossa posição de liberdade de escolha e unirmos a essa liberdade nossa compreensão para as consequências que as escolhas envolvem, como sugere Jean-Paul Sartre; poderemos, como sugere o filósofo Heidegger, nos colocar em posição de dilatar o número de possibilidades a nós oferecidos. E, desse modo, poder orientar a mudança ocasionada pela crise para o nosso crescimento pessoal.
Assim, transformamos o perigo em oportunidade de desenvolvimento, e nos tornamos cada vez mais aptos a lidar com as dificuldades iminentes no processo de existir ao qual estamos sujeitos. Proporcionando a nós mesmos o exercício pleno de nossa liberdade e, por conseguinte, exercitamos nossa capacidade para o uso positivo dos momentos de dificuldade, os quais, são, na maioria das vezes, inevitáveis.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124

02 novembro 2012

AUTOR OU VÍTIMA?


É muito comum o sentimento de ser vítima em relação a algo ou alguma situação. Uma reflexão a respeito desse sentimento pode levar a compreensão de alguns acontecimentos, os quais causam sensações desagradáveis das quais não somos capazes de atinar a origem.
A todo o momento tomamos decisões. Nem sempre nos damos conta disso, ou mesmo, em um grande número de ocasiões, não acreditamos termos tido alguma opção para praticar tal escolha. Porém, sempre escolhemos entre ao menos duas possibilidades.
É comum buscar justificar nossas inconstâncias com a ausência de opções. Explicamo-nos com esse argumento e nos sentimos “confortáveis” com isso. Não obstante, tão comum quanto nos sentirmos vítimas é experimentarmos dissabores e sermos incapazes de localizar a razão. Insegurança, medo, ansiedade, tristeza, depressão, entre tantos outros sentimentos, podem nos acometer sem nos darmos conta de poder estar em nosso poder a precaução deles.
Se buscarmos uma compreensão e nos localizarmos como autores dos acontecimentos que nos envolvem e não como vítimas, incorremos em uma grande possibilidade de assumirmos o controle de muitas situações. Inclusive aquelas as quais julgávamos serem impossíveis de culminarem em uma solução satisfatória.
Contudo, ao nos tornarmos autores de nossa história, ou seja, assumirmos sermos responsáveis por nossas escolhas envolve também assumirmos as consequências que as acompanham. Não estamos isentos dessas consequências mesmo quando nos colocamos como vítimas. O que pode ocorrer é experimentamos a ilusão a respeito da possibilidade de não termos participado do curso dos acontecimentos.
Sendo assim, a nossa principal opção é a manutenção do status-quo, ou seja, o cuidado para que tudo permaneça do mesmo modo que está. Assim, não corremos risco algum. Entretanto, isso nos mantém, também, impossibilitados da oportunidade de experimentar aqueles benefícios inimagináveis quando estamos envolvidos no “conforto” da posição de vítima.
A decisão de mudar um jeito de ser e arriscar experimentar dissabores diferentes pode assustar em um primeiro momento.  Mas, como afirmou o filósofo Sartre: o que nos acontece é de grande monta, no entanto, mais importante é o que fazemos a partir de então. Sendo assim, estamos sujeitos a muitas intempéries, das quais podem nos conduzir a dissabores os mais variados. E, a opção de não tomar nenhuma atitude é uma possibilidade. Contudo, nos cabe a consciência de que tal decisão envolve consequências e nós vamos lidar com elas, independente do nosso desejo.
Então, ao assumirmos a posição de autores, corremos o risco de ampliar nossas alternativas e, com isso, estendermos nossa capacidade para a liberdade como sugeriu o filósofo Heidegger.

Márcia A. Ballaminut Cavalieri
Psicóloga CRP 06/95124